Joel Marinho
Entre letras e versos
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NASCEU FALANDO, APRENDEU APANHANDO
POR JOEL MARINHO
 
A História que narro aqui
Não é um papo furado
Ocorreu em uma cidade
Interior de um estado
A vida de um menino
Chamado Antonio Rufino
Conhecido por queimado
 
Nascido antes do dia
Que o médico havia marcado
Na sala de cirurgia
Todos ficaram assustado
Quando a mãe abriu a perna
Ele saiu da caverna
Mais rápido que um veado.
 
Quando o médico pegou as pernas
Para dar-lhe uma palmada
Ele olhou para o doutor
E disse: qual é camarada?
Não bata na minha bunda
Se não minha mão afunda
Na sua cara amassada.
 
Eis o susto que tomaram
Dentro daquela salinha
O moleque esfomeado
Queria comer galinha
Minha mãe eu lhe respeito
É pecado chupar seu peito
Quero feijão com farinha.
 
Porém essa outra mãe
Que está parida ao seu lado
Se quiser fazer essa prévia
Para esse esfomeado
Chuparei só no biquinho
E não morderei todinho
Pra não cair em pecado.
 
Foi o maior reboliço
Naquela pequena cidade
Diziam é coisa do cão
Se falar com essa idade
Outros diziam é Jesus
Que saiu daquela cruz
Pra salvar a humanidade.
 
Em pouco tempo a notícia
Rodou em todo o Brasil
Tinha uns que acreditavam
Diziam outros é Fake News
Eu conheço essa história
É verdade, confirmo agora
Conheci gente que viu.
 
Em pouco tempo o menino
Esticou, ficou grandão
Aos sete anos de idade
Já era pior que o cão
Quebrava vidraça alheia
Sua mãe corria-lhe a peia
Com sandália e cinturão.
 
Mas quanto mais se batia
Mais ficava endiabrado
A mãe já não suportava
O tal moleque atentado
Dizia ela, Jesus
Livra-me senhor dessa cruz!
Diga qual foi meu pecado.
 
Aso doze anos de idade
O moleque resolveu
Que ia cair no mundo
Em busca do destino seu
Sua mãe disse: senhor
Obrigado, por favor
Adeus meu filho, adeus.
 
Virou errante no mundo
Se tornou arruaceiro
Batia em qualquer um
Andava sem paradeiro
Enchia a cara de cana
Todo final de semana
E se tornou cachaceiro.
 
Um dia em uma briga
Levou um tapa na cara
O corpo desequilibrou
Virou por cima das varas
Foi uma tapa certeira
Caiu em cima da fogueira
Acesa e cheia de brasa.
 
Levantou todo assado
Igual um frango na brasa
Saiu gritando correndo
E entrou em uma casa
Pediu um pouco de gelo
Foi feio o seu desespero
Como um urubu sem asa.
 
Por conta da queimadura
Ganhou logo um apelido
Só lhe chamavam queimado
Desde aquele ocorrido
Queimou as duas sobrancelhas
Perdeu metade da orelha
E um supercílio caído.
 
Resolveu um certo dia
Trabalhar numa fazenda
Queria cuidar de bois
Arrumar alguma renda
Para conseguir dinheiro
Foi trabalhar de vaqueiro
Na fazenda Bela Tenda.
 
Falou para o fazendeiro
Que era o melhor no laço
E com a lábia que tinha
Falou sem ter embaraço
O patrão lhe deu emprego
Disse aqui não tem arrego
E depois não peça abraço.
 
Saiu ele para o campo
Pegar uma vaca valente
Montado em um alazão
Debaixo de um sol tão quente
Jogou o laço na bicha
Foi então que caiu a ficha
Ao ter arrancado três dentes.
 
Pois quando o laço bateu
Lá na cabeça da vaca
Foi pior que um valentão
Que ele enfrentava na faca
O mundo rodopiou
A boca no chão tocou
Foi meio mundo de taca.
 
Pois antes dela correr
Meteu o chifre nas costelas
Levantou quase dois metros
Por cima de uma cancela
Depois bateu na carreira
Que levantava poeira
Sumiu a Mimosa Bela.
 
No dia que começou
Já foi logo demitido
Saiu sem nenhum direito
Com o corpo dolorido
Nunca mais quis ser vaqueiro
Mas continuou desordeiro
Por esse mundão perdido.
 
Sem nada saber fazer
Disse ele, vou roubar
Arrumou um trinta e oito
E saiu pra “batalhar”
Mas na hora da “ação”
Com o revolver na mão
Não sabia atirar.
 
Anunciou o assalto
Porém para o azar seu
Era um policial
Mais brabo que o Zezeu
Percebeu a atrapalhada
Deu-lhe uma bofetada
Que o malandro desfaleceu.
 
E quando ele acordou
Na cama de um hospital
Sem saber aonde estava
O que aconteceu afinal?
Cinco costelas quebradas
Com a cara toda esfolado
Quase uma surra fatal.
 
E passei mais de seis meses
Até se recuperar
Depois foi para a cadeia
Para sua dívida pagar
Dez anos ficou trancado
Vendo o sol nascer quadrado
Preso naquele lugar.
 
Sem saber ler e escrever
Sem parentes e sem trocado
Pagou o que não devia
Por falta de um advogado
Um dia a justiça o soltou
Ele então se libertou
Mas o mundo estava mudado.
 
Já não era tão criança
Tinha trinta e cinco anos
Debaixo de uma árvore
Ficou por hora pensando
No peito a grande ferida
Pois o que fazer na vida
Naquele mundo tirano.
 
Pensou ele, Deus existe,
Será que nunca existiu,
Por que será que eu sofro,
Por que eu sou tão vazio?
Se eu sou filho de Deus
Por que os sofrimentos meus?
Sou água corrente em rio.
 
Chorou por quase duas horas
E pela primeira vez
Pensou em sua família
E as presepadas que fez
Será que minha mãe morreu
Que diabo de filho sou eu
A mim só existe talvez?
 
Depois de muita espera
Conseguiu uma carona
De um velho caminhão
Sentou naquela poltrona
E pela primeira vez
Falou de tudo o que fez
Ao caminhoneiro Jonas.
 
E pela primeira vez
Chorou diante de alguém
Pensou, eu só fiz o mal
Jamais ajudei alguém
Que diabo o que fiz da vida?
Vivo uma vida perdida
Preciso fazer o bem.
 
Com três dias de carona
Entre andança e parada
Chegou onde conhecia
Aquela velha estrada
E depois de muitos anos
Voltava ali sem engano
Para a sua velha morada.
 
Quanto mais aproximava
Perto do velho aconchego
O coração apertava
Tremia as pernas de medo
Sem saber o que esperava
Se sua mãe ali estava
Na volta do seu degredo.
 
Chegou em frente de casa
Bateu na porta devagar
Surgiu uma moça linda
Fitou forte com seu olhar
E disse, quem você é
O que faz aí em pé
Fedendo como um gambá?
 
Eu sou Antonio Rufino
E estou morrendo de fome
E me responda você
Qual é mesmo o seu nome?
Sou Maria do Socorro
Cuidado com me cachorro
Se aproximar ele te come.

Se acalme moça bonita
Eu procuro uma senhora
De nome Rosa Maria
Queria vê-la agora
A moça meio assustada
Disse ela está deitada
Agora aqui de fora.
 
Nesse momento ela entrou
Para chamar a mulher
A emoção tomou ele
Não se aguentou mais de pé
Chorava feito criança
Que fez enorme lambança
Sem saber bem o que quer.
 
Quando viu Rosa Maria
Foi de joelhos no chão
Dizia ele, mamãe
Por favor, peço perdão
Tudo que fiz nessa vida
Só me causaram feridas
E vazio no coração.
 
E a mãe petrificada
Sem conseguir dizer nada
De frente para seu filho
Com a garganta travada
A voz sumiu de repente
Olhando-se frente a frente
Foi por ele abraçada.
 
Depois de longa emoção
Em meio a sua família
Descobriu que os seus pais
Tiveram mais duas filhas
E só ele de irmão
Que andava sem razão
Perdidos por qualquer trilha.

Dos pais recebeu perdão
E começou vida nova
E pela primeira vez
Matriculou em uma escola
Mudou da água para o vinho
Seguindo um novo caminho
E não pisou mais na bola.
 
Viveu dali para frente
E nunca mais aprontou
E nos braços da família
Foi que ele se encontrou
No mundo só foi porrada
E nunca conseguiu nada
Muito menos o amor.
 
Tiremos uma lição
De alguém que saiu da trilha
E esquece a sua origem
Sem fazer uma vigília
Não há lugar mais seguro
Todo o lugar é tão duro
Sem o abraço da família.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Joel Marinho
Enviado por Joel Marinho em 23/07/2019
Alterado em 23/07/2019
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