Joel Marinho
Entre letras e versos
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CADA HISTÓRIA UMA SURPRESA (LIÇÃO DE VIDA)
Por Joel Marinho


Vinha eu andando apressado pelas ruas as quais levam até meu “cafofo” pensando em coisas sem nexo, como por exemplo, iria ser o dia de amanhã. O que eu iria fazer? Porque eu sofria tanto nesse vai e vem da vida e nada de bom me acontecia? Porque só eu nesse mundo era derrotado, enquanto todas as outras pessoas tinham suas chances e viviam todos melhores que eu.
Na minha divagação solitária em meio a tanta gente nem percebia as pessoas que assim como eu caminhavam e divagavam por coisas tão ignóbeis quanto as minhas.
Um forte solavanco tocou minhas pernas e uma dor imensa tomou todo o meu corpo.
Soltei um palavrão e já pensei partir pra cima daquela figura que andava procurando se equilibrar segurando aquele espeto que o servia como guia. Ao me ouvir esbravejar loucamente contra ele levantou as mãos como querendo se proteger e de forma impotente me pedia mil desculpas, pois não fez aquilo por querer. Respirei fundo e pensei apenas o mandar para bem distante, porém não disse nada e virei às costas para seguir minha caminhada maestral como um grande campeão.
Porém antes de sair ouvi aquela voz do homem que acabava de dar uma bengalada em minha perna dizendo: senhor, desculpe-me mais uma vez pelo incidente, foi sem querer, juro que foi sem querer, só queria atravessar a pista.
Naquele momento acordei do transe o qual minha imaginação estava “viajando” e foi então que percebi que eu estava errado andando pela via destinada aos deficientes visuais. A vergonha tomou conta de mim naquele momento e o meu sorriso sem graça veio à tona, infelizmente para ele e felizmente para mim ele não poderia ver a expressão do meu rosto.
Toquei no ombro esquerdo dele e perguntei se eu podia ajudar. Logo eu que em segundos atrás em minha fúria fatal pensei em matar-lhe!
Com um gesto positivo de cabeça ele afirmou que sim. Perguntei:
- Para onde o senhor vai?
Ele respondeu:
- Para essa praça que fica em frente. Fiquei intrigado para saber o que ia fazer na praça, porém não perguntei.
Quando atravessamos a extensão de toda a pista o gramado da praça já se fazia presente em nossos pés.
Debaixo daquela árvore frondosa havia um banco e eu indiquei a ele para sentar-se.
Mais uma vez me pediu desculpas e eu apenas adverti para esquecer o incidente.
Antes de eu sair me agradeceu com um sorriso no rosto tão amável que me fez descer um fio de lágrima nos olhos. Despedi-me e tomei o rumo do meu “cafofo”.
Aquelas lembranças ficaram vivas por algumas horas e depois voltei a pensar nas preocupações do dia seguinte, aquelas que nos deixa de cabelos brancos e que não tem nada a ver com a gente. Ora, o dia de amanhã não nos pertence.
Sempre na mesma rotina nem me lembrava mais do incidente. Três dias depois lá estava eu fazendo o mesmo percurso e sem querer levei a vista naquele banco onde havia deixado três dias antes aquele jovem senhor aparentando ente 35 e 40 anos e lá estava ele na mesma posição.
Pensei passar direto, porém a curiosidade humana que toma possa de qualquer razão se apossou de mim naquele momento e eu resolvi sentar ao lado dele para enfim fazer-lhe algumas perguntas.
- Boa tarde senhor, falei.
- Boa tarde ele me respondeu com aquele mesmo sorriso amável nos lábios.
- O senhor lembra de mim, perguntei.
- Não senhor, respondeu ele.
Como deveria lembrar, já que ouvira a minha voz pela primeira e única vez naquele dia do incidente. Fiquei desconcertado em lhe falar, mas enfim falei.
- Sou aquele do incidente de há três dias atrás, lembra?
Ah sim, respondeu ele.
Começamos dali um papo sobre como estava quente aquela tarde. A minha curiosidade foi crescendo cada vez mais. Até que as palavras explodiram em minhas cordas vocais.
- Qual é o seu nome senhor?
Aquele sorriso até então livre sofreu um golpe tão profundo como se fosse um cruzado no rosto de um pugilista que cai desmaiado no chão sem esboçar reação.
Tentei disfarçar, mas ele não titubeou em responder de forma até ríspida.
- Não sei.
Pensei em fazer-lhe mais pergunta, mas achei melhor me calar. Ficamos ali mudos por mais ou menos cinco minutos. Pensei em levantar e ir embora, visto que nem ia notar minha falta, mas resolvi ficar ali.
De repente vejo algumas lágrimas descendo daqueles olhos cegos e sem cor.
Pensei em abraçar-lhe, porém tive medo de uma reação brusca.
Só toquei nos ombros com minhas mãos firmes e disse para ficar a vontade, se quisesse conversar eu seria todo ouvido, mas se não quisesse falar nada não haveria problemas.
As primeiras palavras envolto em lágrimas logo começaram a surgir.
- Meu nome é José. Ao menos é o único nome que a minha tenra imaginação fez eco em minha cabeça.
- Onde o senhor mora, insisti mais uma vez em fazer-lhe perguntas.
- A única casa que eu conheço senhor é essa praça, a qual me viu crescer e ficar adulto.
- A praça? Espantei-me!
- Sim senhor.
- Em minha humilde vida eu só conheci essa praça como casa. A minha recordação só lembra de poucas palavras da minha mãe que antes de falecer após três tiros certeiros de um policial que a confundiu com uma traficante a qual morava aqui nessa praça conosco foi: filho eu te amo.
Lembro ainda a imagem da minha mãe desfalecendo e sorrindo para mim como que me dizendo para eu não ter medo, tudo estava bem. Foram aquelas as últimas imagens que pude guardar na minha memória e minha visão se fechou para sempre. Além disso lembro da imagem dessa grande praça que eu corria e me escondia com as outras crianças que normalmente vinham apenas brincar. Eu sempre encontrava um esconderijo melhor e nunca era encontrado, afinal era eu o “dono” dessa praça.
Não lembro direito quantos anos eu tinha naquele exato momento, não lembro se tinha pai, minha mãe nunca falou para mim. Eu fui o único, ao menos filho da minha mãe, nunca soube de notícias do homem que me fez. Mesmo assim não o condeno, afinal estou vivo e devo a vida a ele. Ainda tenho o direito de sorrir, isso me basta.
O homem enxugou as lagrimas insistente em cair e continuou. Em toda a minha vida nunca ninguém parou para perguntar meu nome, você foi o único.
Naquele momento meus olhos marearam e um nó na garganta se formou. Não podia demonstrar fraqueza, afinal eu era aquele mesmo que a três dias atrás havia quase batido naquele homem tão amargurado o qual ninguém nunca parou ao menos para ouvir a sua história.
Então continuou a me falar sobre sua vida.
- Nunca tive documentos senhor, como disse, o único nome o qual lembro é José mas é por “ceguinho”que atendo sempre que me chamam. E foi desatando conversas presas a muito tempo de tudo aquilo de ruim que viveu.
Enquanto aquele homem falava eu pensava o quanto egoísta eu estava sendo para comigo mesmo.
Tudo que aquele homem não tivera eu tive, mesmo que as coisas materiais tenham sido de forma deficiente as essenciais eu tive muito bem, como ter intacto todos os sentidos.
Não, minhas lágrimas já não aguentavam mais, minha vergonha tomara conta de mim e o choro desatou aquele nó na garganta.
Abracei fortemente aquele homem maltrapilho no meio da praça sem me importar mais com as críticas de quem passava me envolvi na emoção a qual fui acometido.
Depois de um longo tempo as emoções foram voltando ao normal e então passei a analisar mais as coisas e o que eu chamava de sofrimento.
Perguntei qual fora o seu grande sonho. Pensei que seria fazer uma viagem para a Europa ou dirigir um carro importado e ele simples e calmamente me responde: Meu maior sonho é aprender a ler, mas nunca me deram a oportunidade de ir à escola, nunca ninguém passou aqui para me perguntar isso.
Até então eu que compreendia ser a pessoa mais sofredora do mundo compreendi que não passava de um mal agradecido e blasfemador de tudo que me foi dado de graça.
Sai daquela audiência com uma missão, realizar aquele tão pequeno e grande sonho. Sai também disposto a me resignar de todas as falhas quando o assunto é viver.
Tive ouvidos para ouvir quem nunca havia sido ouvido.
Nenhuma pessoa parou para falar com aquele homem e ninguém sabia o nome dele, apesar de toda aquela região o conhecer simplesmente por “ceguinho”, menos eu que jamais tive tempo para ver aquela figura que a muito tempo fazia parte daquela praça, era um cartão postal dela e mesmo assim não era visto, apesar de notado.
Meu mundo jamais foi o mesmo a partir daquele momento, aprendi que mesmo na dor podemos sorrir, menos desfavorecido podemos viver e mesmo não enxergando ou não sendo enxergado por ninguém podemos com uma bengalada fazer com que aqueles que se consideram mais astutos dos homens passem a enxergar. Enxergar não apenas a luz que aquele homem chamado José ou simplesmente “ceguinho” não enxergava, mas principalmente a essência humana a qual perdemos a muito tempo, na ânsia desesperada de construirmos impérios atropelando nossos semelhantes.
 

 
Joel Marinho
Enviado por Joel Marinho em 29/07/2019
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