AMOR NÃO TEM PRECONCEITO, AMOR É JARDIM FLORIDO
POR JOEL MARINHO
O amor é “bicho esquisito”
Pois surge em qualquer lugar
Não importa etnia ou sexo
Quando vem é pra arrasar
Não respeita sexualidade
E se ele vem de verdade
Tem o dom de amarrar.
A história que vou contar
Para muitos é imoral
Por conta dos tais costumes
Da família “ideal”
Toda essa babaquice
Que para mim é tolice
Chamado de natural.
Georges era um menino
Criado em um lar feliz
Sua mãe e o seu pai
São ditos pais de raiz
Não sofreu necessidade
Teve amor de verdade
Tudo o que queria quis.
Quando ele fez quinze anos
Seu pai lhe presenteou
Deu a ele uma arma
Mas ele nunca atirou
Tinha até medo de olhar
Só pegava pra limpar
O presente que ganhou.
Animava-se com arte
Com desenho e poesia
Tinha paixão por pintura
Era a maior alegria
Quando pegava o pincel
Sentia-se lá no céu
Sua paixão só crescia.
Deixemos aqui Georges
Para falar de Josias
Que nasceu de mãe solteira
Em uma periferia
Seu pai de si não quis saber
Nem mesmo o quis ver nascer
Sua vida foi agonia.
Mas a vida prega peça
Muitas sem explicação
Josias desde pequeno
Resolveu virar ladrão
Sua infância foi roubada
Só vivia nas quebradas
Nesse mundo sem razão.
Desde os dez aos quinze anos
Viveu em rua ou cadeia
Nunca soube o que é viver
Sem um dia levar peia
Sempre viveu entre o mal
Nunca soube o que é natal
Muito menos o que era ceia.
Quando aos dezesseis anos
A sua história mudou
Uma bondosa senhora
Na rua um dia o encontrou
E falou sem empecilho:
Você quer ser o meu filho?
E do nada o abraçou.
Josias tomou um susto
Que quase caiu pra trás
Nunca teve um abraço
Para ele era de mais
E aquele forte abraço
Foi a ele um embaraço,
Porém encanto voraz.
E não se fez de rogado
Abraçou aquela mulher
Sentiu algo diferente
Que talvez fosse a tal fé
Um sentimento o tomou
Talvez o tal de amor
Sabe-se lá o que é.
E lá vai então Josias
Para uma enorme mansão
Nunca na vida entrara
Só conheceu barracão
Seria apenas um sonho
De um tamanho medonho
Ou uma enorme ilusão?
Concluíra o sexto ano
Só o que tinha estudado
Escrevia muito pouco
Lia, mas bem “arrastado”
Era quase analfabeto
Um andarilho sem teto
De um sonho mal assombrado.
Então a sua “nova” mãe
Chamada dona Cecília
Buscou o melhor colégio
Onde estudou sua filha
Única filha, hoje doutora,
Cecília era professora
Viúva e mãe de Camila.
Camila também gostou
Da ideia de um irmão
Morava com sua mãe
Mas sentia solidão
Já com trinta e cinco anos
Não queria cometer engano
E casar com um babacão.
Logo as aulas começaram
E Josias sorridente
Mas o que estava vivendo
Era muito diferente
Do que já tinha vivido
Sentia-se protegido
Também se sentia gente.
Conheceu novos colegas
E fez diversas amizades
Mesmo que ainda sentisse
Dos antigos amigos saudades
Mais um dia lá na quadra
Levou na cara uma bolada
Que alguém jogou sem maldade.
Esse alguém era George
Já em série avançada
Desculpou-se com o rapaz
Pelo incidente da bolada
Josias disse: tudo bem
Fui eu que “marquei” também
Não prestar atenção a nada.
George pensou que é isso?
Quando apertaram as mãos
E intercruzaram os olhares
Houve o calor de um vulcão
Coisa que jamais sentiu
Sentia o peito vazio
Saiu dali sem razão.
Como assim, pensou Josias?
Que diabo de sentimento
Fiquei com tantas meninas
Deram-me contentamento
Mas igual o que senti
E assim quase cai
Trouxe-me aborrecimento.
E aquele pensamento
Os dois levaram pra casa
Como assim, que coisa é essa,
Essa coisa feito brasa
Aquele toque de mão
Deixou-os em ebulição
Daquele tipo que arrasa.
Como assim, eles falavam?
Somente em seus pensamentos
Eu nunca senti tal coisa
Josias em sofrimento
Georges por outro lado
Estava apavorado
Com aquele sentimento.
Nenhum dos dois tinham tido
Uma emoção daquela
A tarde ele ficou
Olhando pela janela
Aquele lindo semblante
Que surgiu naquele instante
Era a coisa mais bela.
George disse Senhor!
O que está acontecendo
Será meu Pai que sou gay?
E nem eu estava sabendo
Não dormia de ansiedade
Ficou acordado até tarde
Dizia, não compreendo.
No outro dia na escola
Com George se encontrou
Olharam-se e sorriram
George lhe perguntou:
- Ainda dói à bolada?
Josias respondeu, que nada!
Nem uma marca ficou.
Menos mal, disse George,
Pois fiquei agoniado
Desculpe mais uma vez
Não queria o ter machucado
Josias disse, esquece,
Viva a vida não se apresse
Sorrir faz um bem danado.
- Mas qual é mesmo seu nome?
Josias o interrogou
O meu nome é George
O meu pai quem colocou
E o seu, quero saber?
Sou Josias, pode crer,
Nem sei quem me batizou.
Dali pra frente a conversa
Ficou um pouco mais aguda
Um dia George disse
Você tem as mãos peludas
Enrolado com matemática
De uma forma dramática
Josias pediu ajuda.
Então combinaram um dia
De um final de semana
Acertaram de se encontrar
Na casa da amiga Ana
Traçaram as metas do estudo
Conversaram em quase tudo
De uma forma bacana.
Josias falou pra mãe
Seguiu todo o protocolo
Jamais queria errar
E perder aquele colo
Apresentava os amigos
Para não correr perigo
E parecer sem miolo.
Chegou o fim de semana
Os três seguiram a sentença
Tinha na sala da Ana
Qualquer livro que se pensa
Georges com muita prática
Ensinava matemática
Com bastante paciência.
De vez enquanto paravam
Para pegar um lanchinho
Roberta, a empregada,
Trazia com maior carinho
Ela adorava a Ana
Uma menina bacana
Educada, um ternurinho.
Ana então uma hora
Pediu licença e saiu
Dizendo, vou ao banheiro,
Bateu a porta a partiu
Os dois ficaram sozinhos
Olharam-se com carinho
E aquele tremor surgiu.
Ficaram embaraçados
Sem saber o que fazer
As suas mãos se tocaram
George começou tremer
Por sua vez o Josias
Pensava, entrei numa fria!
Com vontade de correr.
Como estavam pertinho
George então se virou
Na hora que retornaram
Boca com boca tocou
Olharam-se no espelho
Estavam os dois vermelhos
Foi quando Ana entrou.
Percebeu, mas disfarçou,
Vendo os dois embaraçados
Ela nem desconfiava
Não havia se tocado
Mas diante as evidências
Não viu naquilo ofensa
E sorriu bem debochado.
Josias trêmulo falou
Ana não aconteceu nada
Ela então se fez de tonta
Do que fala, camarada?
Olhou George tremendo
Como quem tomou veneno
Com as mãos todas suadas.
Disse ela pra George
Continua a explicação
Quero tirar dez na prova
Daquele professor malzão
George então continuou
Mais uma vez explicou
Aquela enorme equação.
Já sabendo da verdade
Ana inventou uma História
Que precisava sair
Dar uma volta lá fora
Ia com a mãe ao mercado
Comprar carne para assado
Pois sua mãe era senhora.
Saiu e deixou os dois
Trancados ali na sala
E um olhou para o outro
Daquele jeito que abala
Aí não teve mais jeito
Josias o apertou no peito
E deu um beijo que estala.
E depois de um longo beijo
Ficaram ali se olhando
Depois baixaram a cabeça
E aquele fogo queimando
Voltaram pra matemática
De uma forma mais estática
Georges continuou explicando.
Depois daquele contato
Enfim os dois descobriram
Que tudo o que mais queriam
Estava onde nunca viram
Ali nascia um amor
Mas também nascia dor
E muitas dúvidas surgiram.
Josias ficou pensando
Que se falasse perdia
Tudo o que em pouco tempo
Ganhara com alegria
Entre o amor e a nova vida
Abria no peito a ferida
E assim ele sofria.
Georges também sofria
Queria falar aos pais
Mas a dor que causaria
Podia até ser de mais
E naquele sofrimento
Crescia o descontentamento
Para o apaixonado rapaz.
Até aquele momento
Só Ana era quem sabia
Daquele lindo romance
Que a cada dia crescia,
Crescia também o medo
De descobrirem o segredo
E o que isso causaria.
Georges já no limite
Um dia criou coragem
E falou pra sua mãe
Pois tomou a liberdade
O choque que ela tomou
Quase que lhe enfartou
Ao saber da tal verdade.
Mas depois se recompôs
E perguntou ao rapaz
É isso mesmo o que queres?
Você já sabe o que faz
Viva e seja feliz
Se for realmente o que quis
Viva a sua vida em paz.
Josias ao mesmo tempo
Chamou a mãe e falou
Que tinha algo a dizer
Mas o medo lhe tomou
Cecília disse querido!
Fale que sou todo ouvido
Desembuche, por favor!
Ele então ficou tremendo
Vendo aquela reação
Olhou com os olhos em lágrimas
Foi um olhar sem razão
Porém falou com coragem
Contando toda verdade
Já prevendo um grande não.
Cecília o olhou sorrindo
Ele também o olhou
Com os olhos cheios de lágrimas
E com cara de pavor
Ela lhe deu um abraço
Dizendo o que eu faço?
Tua liberdade chegou.
Olhou fixo para ele
E disse, qual o seu medo?
A sua felicidade
Não é para ser segredo
Sou velha, porém entendo,
E para o amor me rendo
Não fique de pesadelo.
Aquelas doces palavras
Foi um bálsamo a Josias
Estava aliviado
A partir daquele dia
Sentiu-se tão protegido
Por tudo que tinha sofrido
Pensava, isso é magia!
Deixemos aqui Josias
Com o seu contentamento
Para falar de George
E do grande sofrimento
A sua mãe já sabia
Mas como o pai reagiria?
Corroía o pensamento.
O tempo ia passando
E só crescia a paixão
Georges queria falar
Mas Josias dizia, não!
George armou um plano
Que nos seus dezoito anos
Faria aquela afirmação.
E assim aconteceu
O aniversário ia chegar
O pai dele perguntou
Qual presente quer ganhar?
Olhou o pai e disse assim:
O melhor presente a mim
Talvez não queira me dar.
- Como assim, me fale mais?
Seu Jonas o interrogou
Georges disse meu pai
Não sou quem você sonhou
Venho sofrendo faz tempo
Acho que chegou o momento
De lhe falar quem eu sou.
Jonas o olhou assustado
E disse, fala rapaz!
Que segredo você tem
Que te faz sofrer de mais?
Georges atrapalhado
Pensou, vou ser renegado,
E mandado a Alcatraz.
Então sem mais arrodeio
Sem querer mais se esconder
Sabia que a confissão
Ia a seu pai doer
Mas não dava pra ficar
Tentando mais enganar
E ver por dentro morrer.
Meu pai, George falou:
- Eu sou gay vim lhe dizer,
Sei que não era bem isso
Que pensou que eu fosse ser
E aqui de antemão
Eu já lhe peço perdão
Por esse desgosto a você.
Desde muito pequenino
O senhor sempre falou
Meu filho será um homem
E homem eu sei que sou
Tanto que estou falando
Para o senhor confessando
Que eu tenho um amor.
Sem esboçar reação
Seu Jonas ficou calado
Do jeito que ali estava
Ele continuou sentado
Georges pensou consigo
Qual será o meu castigo?
E Jonas paralisado.
Até que enfim respirou
E só perguntou, quem é?
Esse amor que tu tens
Já sei que não é mulher
Não senhor ele é Josias
Que trouxe aqui um dia
Meu pai faça o que quiser.
Só não podia viver
Com essa angústia medonha
Chame-me do que quiser
Diga que é pouca vergonha
Mas lhe juro que é amor
Que o meu peito tomou
Por mais que o senhor se oponha.
Jonas então levantou
E não perguntou mais nada
Trancou-se lá no seu quarto
A casa ficou calada
Georges queria morrer
Sem saber o que fazer
Em meio àquela cilada.
À tardinha o pai e a mãe
Foram ao supermercado
Ao chegar nada disseram
Entraram mudo, calados,
A tensão mais aumentava
E Georges só chorava
Naquele “túmulo” fechado.
No outro dia cedinho
Ninguém lhe falou bom dia
Um feliz aniversário
Recebeu só de Josias
Que ligou de manhãzinha
E sentiu a voz fraquinha
De Georges em agonia.
Ele disse meu amor
O que foi que aconteceu
Georges disse a Josias
Acho que tudo se perdeu
Contei de nós ao meu pai
Que comigo não falou mais
O nosso sonho morreu.
Josias disse meu bem
Seja otimista, te acalma!
O teu pai parece bruto
Mas é um homem de boa alma
Quem sabe lá no futuro
Ele desmanche esse burro
E o nosso amor se salva.
Com aquela tranquilidade
George até sorriu
Conversou mais um pouquinho
E de Josias se despediu
Levantou, criou coragem,
Porque já estava tarde
De sua cama saiu.
Chegando até a sala
Viu uma enorme caixa
Dizia frágil, não mexa!
No meio tinha uma faixa
Ele ainda pensou
De abrir, porém parou,
Não queria causar mais baixa.
Naquele dia comprido
Ficou no quarto isolado
Sua mãe não lhe chamou
Pra fazer nenhum mandado
E por ser fim de semana
Sentiu ser mais bacana
Ficar no quarto calado.
Havia chegada à noite
Sua mãe bateu à porta
E disse, vá tomar banho,
Vamos comer uma torta
Ele ainda quis falar
Sua mãe lhe disse, vá!
E não esperou resposta.
E ele contra a vontade
Foi, mas naquela moleza,
Quando ele chega à sala
Nenhuma luz estava acesa
Quando a luz acendeu
Ele quase que morreu
Todos gritando: surpresa!
Pois todos os seus amigos
O seu pai os convidou
E também sua família
Abraçaram com fervor
Mas alguém em especial
Faltava e causava mal
Josias seu grande amor.
O pai com a cara fechada
Que causava até medo
Veio lhe dar parabéns
Parecia um rochedo
Era um muro de cadeia
Com a cara sisuda e feia
Mais duro que um degredo.
E no final dos discursos
A todos agradeceu
Pela enorme surpresa
E seu pai nem se mexeu
Ao terminar de falar
Viu seu pai se levantar
E de medo o corpo tremeu.
E aquela caixa enorme
Ali no meio da sala
O pai se aproximou dela
Com aquela cara de mala
E começou um discurso
Parecia a voz de um urso
Que cheiro de sangue exala.
E falou, prestem a atenção!
O que direi a vocês
Ontem meu filho George
Confessou que era gay
Com todos vocês reunidos
Digam-me se faz sentido
Porque juro que não sei.
Todos os presentes abismados
Com aquela declaração
George queria que abrisse
Um buraco ali no chão
Quis sair, mas foi detido,
Sentiu o pulso comprimido
Seu pai pegou suas mãos.
Georges começou chorar
Jonas então lhe falou:
Engula já essas lágrimas
Seja homem, por favor!
Essa caixa é seu presente
E fiquem aqui todos cientes
Faço isso por amor!
Abra a caixa, disse Jonas!
E se não gostar do presente
Fique à vontade, devolva,
Mas fique você ciente
Nunca mais eu lhe dou nada
E ainda pega porrada
Se bancar o insolente.
George engoliu o choro
E disse pai, vou embora!
Jonas disse só depois
Mas abra essa caixa agora!
E depois dessa ação
Mudo a minha opinião
E digo que homem chora.
George aproximou da caixa
Pegou e puxou o laço
Quando a caixa se abriu
A surpresa do abraço
Josias saiu sorrindo
Com todos o aplaudindo
Com Glória Groove no passo.
Jonas abriu um sorriso
E a George abraçou
Disse ele desde ontem
O seu velho pai pensou
Seria eu grande tolo
E morreria sem consolo
Se impedisse o amor.
E George sem ação
Com aquela ação do pai
Nem mesmo no melhor sonho
Sonhava aquilo ser capaz
E além de aceitar
Fazer festa pra comemorar
Aquele momento de paz.
A festa continuou
Foi até a madrugada
Georges e Josias contente
Sentados ali na sala
Com planos para o futuro
Casa com quintal sem muros
E dois carros na calçada.
Pensavam também ter filhos
Mas só depois de formados
Também pensavam em viagem
Ali no sofá deitados
De vez em quando alguém vinha
Dava nas costas tapinhas
Saudando os enamorados.
E assim mais uma guerra
Foi vencida com amor
De tantas guerras travadas
Muitas acabam com dor
Amor não tem preconceito
E não respeita preceitos
Amor será sempre amor.
O amor não tem idade
Sexo ou religião
Quando ele acontece
Vai viver querendo ou não
E se alguém quiser matar
Ele sempre vai estar
Dentro de dois corações.
Bom pra Josias e George
Que foram compreendidos
Josias nasceu três vezes
Daquele mundo perdido
Os dois fizeram História
E deixaram na memória
Que o amor é jardim florido.