Joel Marinho
Entre letras e versos
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NO FUNDO DO POÇO 
JOEL MARINHO
Era o dia 13 de março do ano 2000, Rebeca como de costume foi até a cacimba apanhar um balde de água para sua mãe Rosilda fazer o almoço, visto que seu pai Juscelino estava na roça trabalhando e quando voltasse queria almoçar. Ali no interior de Jucuuba as coisas funcionavam de forma muito primitiva ainda e a organização familiar estava pautada ao que chamamos de “família tradicional”. Enquanto o homem estava na roça trabalhando na lavoura, a mulher e as crianças cuidavam dos afazeres da casa.
Rebeca mergulhou a panela enchendo-a daquele líquido precioso e foi embora rapidamente para levar à mãe. No trajeto do caminho balbuciava uma música que nem ela sabia de quando e onde havia aprendido, mas ela lembrava cada letra.
“Nos meus tempos antigos/ você meu amigo/ brincava comigo/ naquela caverna/ ao lado do palácio/ a beira do lago/ eu montado em ti/ seu lombo marrom/ de pelos sedosos/ me fazia sonhar/ e eu delirava/ quando a noite sonhava/ com aquele lugar.
Beca como era chamada carinhosamente pela família, tinha apenas 11 anos e por vezes se perguntava de onde aprendera aquela música. Afinal nunca ouvira tocar em lugar nenhum. Sintonizava o rádio de pilha que tinha em casa para ver se conseguia pistas e nada se ouvia relacionado àqueles versos. Assim ela tocava a vida em meio a essa grande curiosidade.
A água acabou e Rosilda gritou à filha que estava brincando em meio a sua própria cantoria:
 - Becaaaaaaa! Becaaaaaa!
- Senhoraaaa, manheeeee!
- Vem já aqui, pega mais uma panela com água que essa não deu.
Balbuciando alguma coisa para dentro de si mesma a menina pegou a panela e mesmo contrariada caminhou devagar rumo à cacimba a qual estava localizada as margens do riacho onde a família tomava banho e lavava as suas roupas.
Ao mergulhar a panela naquela água que era tão cristalina ao ponto de se ver o fundo de areia branca a criança percebeu uma mulher sorrindo e a chamando para mergulhar. Pensou ser seu reflexo, mas aquela era uma mulher adulta, fechou os olhos achando estar enlouquecendo e quando abriu novamente lá estava mais nítido o sorriso da mulher.
- Meu Deus, exclamou a menina!
A mulher continuava sorrindo e falou:
- Venha comigo, venha revisitar a sua antiga casa, não tenhas medo!
Naquele momento um arrepio de medo tomou conta de Beca que paralisada não conseguia nem gritar e como se tomada por uma força maior desceu lentamente naquela cacimba.
Aos berros Rosilda bradava:
Rebecaaaaa, menina, traz essa água pelo amor de Deus! Teu pai vai chegar e esse almoço não está pronto.
Nenhum sinal ou ruído.
Rosilda então se aborreceu e foi em busca da filha e como era daquelas mães de rigidez antiga já foi quebrando um galho de árvore para dar uma surra na menina.
Ao chegar à cacimba encontrou a panela jogada e nenhum sinal da filha. Ainda muito zangada jurou que quando a encontrasse lhe daria uma surra daquelas. Pegou a panela, encheu-a dágua e foi embora terminar o almoço.
Como era de costume as crianças daquela região brincar no mato Rosilda mesmo zangada não esboçou preocupação a princípio, pensou que a filha estava fugindo para não fazer as tarefas, mesmo que aquele não fosse hábito garota.
Faltavam dez minutos para o meio dia quando Juscelino apareceu, a esposa estava dando os últimos retoques para terminar o almoço, tempo que o marido ia até o riacho tomar um banho e voltar para almoçar.
 
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- Cadê Beca, interrogou Juscelino ao voltar do banho?
- Rum, essa daí foi buscar água pra eu terminar o almoço e se tivesse esperando por ela não almoçaríamos hoje. Deve estar por aí e logo que bater a fome aparece, mas o que é dela está guardado e mostrou aquele galho de árvore o qual havia retirado as folhas para castigá-la.
Sentaram-se para almoçar, Rosilda, Juscelino e Raul, o filho mais velho que tinha 15 anos e já estava acompanhando o pai na lavoura.
Terminaram de almoçar e Juscelino se aquietou um pouco pra descansar até a hora de voltar ao trabalho. As 13:30 chamou por Raul e foram embora.
A tarde ia transcorrendo normalmente e nada de Rebeca aparecer, então a partir das 15 horas Rosilda passou a ter as primeiras preocupações, pois Rebeca já havia muito tempo sumida e ela nunca havia sumido por tanto tempo assim.
A casa do vizinho mais próximo ficava a dois quilômetros, porém ela nunca fora para lá sozinha e sempre que ia com alguém ainda pedia para a mãe.
Às 16 horas Rosilda começou se apavorar e gritar pelo nome da filha.
- Rebecaaaaa! Por onde tu estás menina? Aparece!
Naquele momento a mulher já até esquecera-se do castigo prometido e as primeiras lágrimas começaram a cair.
Por volta das 17:30, os dois chegaram da roça e viram Rosilda desesperada em busca da filha. Raul montou em seu cavalo que estava amarrado ali perto e foi a galope à casa do vizinho, no intuito de saber alguma notícia da irmã. Nada! Voltou imediatamente e já começou a espalhar o desaparecimento para todos os vizinhos, inclusive os mais distantes.
Sem telefone ou outro tipo de comunicação rápida tiveram que ir a cavalo mesmo e a noite então abraçou os últimos raios de sol que ainda insistiam em brilhar.
O desespero tomou conta da família e dos vizinhos.
Nos três dias que se seguiram foi feita uma varredura articulada pela pouca polícia que havia na cidade e com a ajuda massiva dos moradores locais. Nada de vestígio.
Isso nunca tinha ocorrido ali no município de Jucuuba.
 
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Enquanto o desespero tomava conta dos moradores e parentes Rebeca conhecia outros mares, ou melhor, estava de volta ao seu lugar de origem.
Ao descer a cacimba aquela mulher misteriosa o levou diretamente para uma espécie de barco onde homens remavam com toda força, enquanto outros os chicoteavam como se fossem animais.
- Remem malditos! Dizia aquele homem de cabelo ruivo e barba enorme ruiva também, era como se fosse aquelas figuras as quais a garota havia visto em seus livros de História Medieval.
Depois de alguns dias naquele rema, rema sem fim e a força do vento que batia na vela eles chegaram a uma cidade. Era igualzinha a que Rebeca tinha de gravura nos livros de História.
Mas como assim? Era tudo tão estranho e ao mesmo tempo tão familiar.
A menina estava entre o medo e a curiosidade.
Será que estava ficando louca? Seria aquilo tudo um sonho, uma miragem?
Já não estava na hora de acordar?
A mulher que o levara cuidou muito bem dela durante a viagem, conversava algumas coisas, porém nada de dar uma explicação real de tudo aquilo.
Desceram da embarcação e caminharam um pouco em meio àqueles homens com um odor estranho que parecia não tomar banho há muito tempo, se é que já haviam banhado alguma vez na vida.
Em frente àquele castelo Beca parou e se deparou com uma lembrança estranha, parecia que já havia estado naquele lugar.
De repente apareceu aquele bode marrom com pelos reluzentes e de uma rua estreita vinha uma senhora de andar cansado aparentando ter uns oitenta anos cantarolando uma canção.
Não, não pode ser eu conheço essa música, pensou!
Só que a mulher cantava em uma língua estranha, porém magicamente a garota conseguia compreender aquela linguagem.
“Nos meus tempos antigos/ você meu amigo/ brincava comigo/ naquela caverna/ ao lado do palácio/ a beira do lago/ eu montado em ti/ seu lombo marrom/ de pelos sedosos/ me fazia sonhar/ e eu delirava/ quando a noite sonhava/ com aquele lugar”.
Seu corpo petrificou, sabia que havia uma ligação dela com aquele lugar, porém não sabia qual era.
A velha senhora olhou para ela e exclamou: - Rebeca!
Como aquela senhora sabia o seu nome?
- Sim, senhora, esse é meu nome! Mas como a senhora sabe meu nome?
A senhora sorriu suavemente e disse: - Sente aqui perto de mim, minha filha, deixa eu te contar uma História!
 
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- O ano era 1450, estávamos sentadas aqui nesse exato lugar em frente a esse castelo que pertencia a um senhor muito mal e como não tínhamos o que comer mendigávamos um pouco de pão a quem por aqui passava e ele incomodado com a maneira a qual me vestia e pela companhia desse bode (apontou ao bode), nos acusou de bruxaria e para punir meu possível pecado ele te entregou a igreja, tu tinhas apenas 13 anos.
No interrogatório para fazer me incriminar eles te torturaram de todas as formas. Ouço ainda em forma de sonho o eco dos teus gritos ressoarem todas as noites quando durmo. As chicotadas nas costas, tu horas nua sentada naquela máquina de tortura "burro espanhol", teus gritos horripilantes quando arrancaram teus seios com o "esmaga seios". Confesso minha filha, eu fui covarde em não ter assumido a minha culpa. Eles tentaram de várias formas arrancar de ti uma confissão, porém como não tinha o que confessar porque de nada você sabia eles te jogaram no poço da Igreja o qual ficava dentro do castelo. Quando te retiraram perceberam que o castigo fora longe demais e acabou te levando a morte. Culparam-te por ter morrido, se não havia aguentado o “interrogatório” era porque com certeza carrega culpa, assim eles falaram.
- Eu esperei tanto tempo para te encontrar e te pedir perdão.
Perdoe-me, filha, eu não tive forças para te livrar de um castigo o qual você não teve culpa alguma. Perdoe essa minha covardia que durante todo esse tempo jamais me deixou em paz.
- Eu era a bruxa, e esse bode meu companheiro, você o herdaria após minha morte, mas eles quebraram um ciclo de cultura da nossa religiosidade.
- Aqueles interrogadores morreram um após o outro, todos cinco tiveram morte trágica, o último morreu afogado dentro do poço.
- A tua inocência te trouxe de volta a vida e deu uma nova chance para reencontrar o passado e renascer em uma nova vida, em alguns dias voltará aonde mora hoje. Tua memória será apagada dessa conversa, porém levarás um livro que guardará para contar aos teus futuros filhos, netos e bisnetos essa História. Apontou para o bode e disse: esse bode irá contigo acompanhando-a e será teu companheiro até o último dia de tua nova vida.
Em poucos dias estará de volta à tua família nova.
O bode se aproximou de Rebeca e ela tocou nos seus pelos sedosos.
Depois de pouco tempo a mesma mulher que a trouxera levou-a até o navio para a viagem de volta.
 
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Para Rebeca haviam se passado cerca de um dia, quando de repente acorda ao lado da cacimba. Junto dela um bode lado e nas mãos um livro escrito em latim.
O susto da família foi enorme, pois já havia se passado um ano desde o seu desaparecimento.
Quando ela reapareceu com o bode e o livro ninguém mais o esperava, já havia dado ela como morta e inclusive feito certidão de óbito.
A "velha" Beca morreu, deixou de existir para a maioria das pessoas daquele lugar, morria pela segunda vez, dessa vez simbolicamente. Seu nome fora trocado, sua identidade se refez, pois a família achou mais fácil registrá-la com outro nome a correr atrás e desfazer toda aquela burocracia.
 
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Com um fio de lágrima nos olhos, Matilda olhou para seu bisneto Rafael enquanto fechava aquele livro antigo que acabara de ler.  Tinha uma capa verde já amarelado pelo tempo contido uma gravura de um bode marrom e pelos sedosos iguais daquele que mantinha no quintal conhecido por Marrento.
No título do livro estava escrito com letras garrafais: “NO FUNDO DO POÇO”.
Rafael olhou para a vó e a interrogou:
- Bisa, por onde anda Rebeca?
Matilda olhou pela janela rumo ao horizonte com os olhos lacrimejante e respondeu ao bisneto:
- Durma bem meu filho, amanhã será um novo e longo dia para vocês, o ciclo se fechou!
O garoto então pediu:
Bisa cante aquela canção que a senhora costuma cantar pra eu dormir!
Matilda deitou-se ao lado do garoto devagarinho de acordo com a capacidade que seu velho corpo já cansado pelo tempo podia suportar. Com tapinhas nas costas do menino começou a entoar a velha canção: “Nos meus tempos antigos/ você meu amigo/ brincava comigo/ naquela caverna/ ao lado do palácio/ a beira do lago/ eu montado em ti/ seu lombo marrom/ de pelos sedosos/ me fazia sonhar/ e eu delirava/ quando a noite sonhava/ com aquele lugar”.
Ao final da canção Rafael já havia “caído nos braços de Morfeu” e Matilda levantou-se com dificuldades, caminhou até seu quarto e deitou em sua velha cama na casa construída por sua única filha Raquel, sua saudosa filha que morrera aos trinta anos, deixando de herança para sua filha Romana, neta de Matilda.
Olhando para o teto e com um sorriso no rosto a velha senhora adormeceu para sempre sem dar nenhum ai com o livro sobre o peito. Ao seu lado Marrento observava seus últimos momentos. Ele que sempre vinha dormir ao lado dela todas as noites após todos da casa se aquietarem em seus aposentos
Na manhã seguinte ao notarem a falta de Matilda para o habitual café da manhã sua neta Romana foi até o quarto e encontrou sua avó morta naquela mesma posição que dormiu. Ela estava com um largo sorriso no rosto. O livro havia sumido e Marrento nunca mais foi visto por ninguém naquela região.
 
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A plateia que ouvia com atenção toda aquela História levantou e aplaudiu de pé o doutor Rafael, maior referência do mundo em Antropologia histórica/cultural que naquele momento ia às lágrimas ao lembrar-se da sua bisavó Matilda e seu último afago com direito àquela canção misteriosa.
Ao sair do auditório assinou aquele livro de registro.
Rafael Bismarck Durand Silva.
Languedoc, 13 de maio de 2135.
Tema: Bruxa
 
Olá gente, fiz uma pequena revisão no meu texto, realmente encontrei algumas falhas com relação a errinhos de português que deixa a leitura chata, espero ter resolvido alguns dos problemas relatados por quem já leu.
Quanto à confusão dos personagens Rebeca a Matilda, na verdade foi posta de forma intencional, essa quebra no texto passando de um personagem a outro foi uma maneira que encontrei para realmente deixar dúvidas no leitor e fazê-lo pensar além do que está escrito. Afinal quem é essa Matilda que apareceu do “nada”? Na troca de identidade feita pelos pais.
E no final seu bisneto Rafael que aparece como um grande estudioso da cultura humana fazendo o relato de vida em que está envolvido pessoalmente através de sua bisavó e isso se dando no futuro.
Desde já agradeço pela compreensão dos meus leitores e já peço desculpas pelas falhas. É óbvio que ainda tem muitas, pois mesmo que eu escreva não sou expert na correção de um português impecável e por isso agradeço pelas críticas que me fizeram reler e refazer alguns pontos na tentativa de sanar essa confusão. Gosto da crítica, pois como sou apenas um leigo na escrita estou sempre buscando aprender cada dia mais escrever melhor.

 
Joel Marinho
Enviado por Joel Marinho em 25/07/2020
Alterado em 27/08/2020
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