CRÔNICA PÓSTUMA (POST MORTEM)
JOEL MARINHO
O ano era 2053, o mês era dezembro e o dia era 20. Havia um pequeno grupo aglomerado envolto ao meu caixão e meu corpo já enrijecido pelo acúmulo de ácido lático nas musculaturas aguardava triunfante a descida final a que quase todos os humanos fazem quando são postas em sua ultima “casa”, a cova. Causa mortis: falência múltipla dos órgãos, para muitos, conhecido como velhice, perda de funcionamento geral das células.
As bactérias e os germes já faziam festa se deliciando no saboroso banquete totalmente grátis com a minha carne já quase sem nutrientes perdido com o passar do tempo, mas isso não era problema para eles que alegremente me banqueteavam.
Alguém aqui outro ali vez ou outra esboçava um sentimento lamentoso seguido de um fio de lágrima pela pequena perda. Talvez alguém que por um acaso gostasse da minha presença. No caixão nada de flores, pedido feito ainda em vida de não jogarem flores mortas em meu caixão, de morto basta eu. Assim como também não havia nenhuma vela, outro pedido feito por mim em vida, já que não suportava aquele cheiro horrível de fio e parafina queimando.
De repente desceu lentamente o caixão e por um instante o choro ficou mais forte, coisa que também não suporto, porém não posso mandar nos sentimentos pessoais de outrem. O barulho em seguida foi ensurdecedor pela terra jogada sobre meu caixão, tudo escureceu e eu fiquei quietinho, visto não haver nada mais o qual eu pudesse fazer para mudar aquilo, havia me encontrado com o mal que cerca todos os seres vivos, a morte do corpo físico.
Alguns dias depois uma lápide foi posta sobre minha cova como forma de memória e nela trazia uma pequena inscrição: “Aqui Jaz, Joel Marinho”! Nada mais fora acrescido, era tudo o que fazia lembrar as pessoas visitantes daquele lugar sobre a existência de um homem, no caso eu.
Um jornal local de pouca expressão ainda soltou uma pequena nota de pesar em um quadro quase imperceptível no meio dos classificados dizendo assim: “Hoje o Brasil perdeu um grande professor e poeta sonhador, descanse em paz, guerreiro”! Aquela nota quase ninguém leu.
Talvez eu tenha escolhido as profissões erradas, por isso morri no anonimato. Quem sabe eu fosse atleta, cantor ou até político meu nome e uma dezena de fotos estaria estampada nos maiores jornais do Brasil e do mundo na primeira capa em “CAIXA ALTA” e colorido, mas acreditei na mudança do mundo através do saber e assim virei professor e poeta amador e sonhador sem expressão nenhuma, afinal nasci no Brasil e por aqui essa coisa de saber educacional nunca foi ponto primordial para nenhum político, por isso jamais fui indicado ao Prêmio Nobel.
Mas qual a diferença disso agora? Estou tão morto quando Júlio César, Napoleão Bonaparte, D. Pedro I, Michael Jordan, Ayrton Senna, Getúlio Vargas, Albert Einstein, Stephen Hawking, Lula, Bolsonaro e o seu Zé, homem anônimo que vendia todos os dias a carne fresca no açougue no qual eu comprava e muito conversávamos sobre a vida, todos viramos a mesma coisa, apenas lembrança, no meu caso e do seu Zé apenas para algumas poucas pessoas.
Mas hoje em 2150, vendo você lendo o que escrevi em 2053, no ato do meu enterro, tenho uma grande certeza, eu ainda estou vivo, pois parte de mim está gravado em ti igual tatuagem, permanente, tudo aquilo que escrevi foi com tinta permanente da lembrança e assim permaneço vivo para você e para outras gerações depois de você.
Sendo assim, deixo aqui o abraço de um homem sonhador, o mesmo lutou por uma educação melhor e escreveu coisas para a eternidade. Não fui famoso e nem era essa pretensão, mas deixei marcas profundas no modo de pensar e de viver de muita gente e aprendi todos os dias com todas e todos aquelas e aqueles os quais tive contato durante toda a minha humilde vida.
Daqui dessa cova escura e fria, no entanto, tranquila deixo o meu abraço com a sensação de dever cumprido pelo conjunto da obra feita enquanto vivo e por saber, pelas coisas as quais escrevi continuarei vivo em tuas lembranças e na lembrança de muitas gerações, mesmo as muitas que não me conheceram pessoalmente.