OS TRAUMAS DA MINHA INFÂNCIA
JOEL MARINHO
Às vezes de madrugada
Acordo com meus demônios
Molho meu colchão em lágrimas
Num desespero medonho
Com grande desesperança
Vem meus traumas de infância
Destruindo os meus sonhos.
Lembro da fome maldita
E meu pai indo embora
Minha mãe desesperada
Quão triste foi aquela hora
Nem lembro sua feição
Só me lembro da ação
E seu adeus sem demora.
De pai não tive carinho
Tive que me virar cedo
Minha mãe sempre chorosa
Tentou não me meter medo
Fez tudo o quanto podia
Até que chegou o dia
Da viagem ao “degredo”.
Fiquei sem pai e sem mãe
Aos doze anos de idade
Trabalhei como um jumento
Nunca tive vaidade
Cresci nas garras da rua
Realidade nua e crua
Em meio a perversidades.
Para saciar a fome
Às vezes fui obrigado
A roubar pra não morrer,
Mas sempre contrariado
Levei um monte de peia
E fui parar na cadeia
Apanhei de delegados.
A vida sempre cruel
Só me trouxe atrocidades
Até que um dia surgiu
A grande oportunidade
Alguém que me deu a mão
Me resgatou da prisão
Um amigo de verdade.
Até aos dezoito anos
Eu nunca pude estudar
Foi quando um delegado
Veio a mim desafiar
Disse hoje é o seu dia
Te tiro dessa agonia
Se você quiser mudar.
Mas é somente essa vez
É pra pegar ou largar
Eu te lanço o desafio
E dou tempo para pensar
Eu disse compreendido
Por mim está decidido
Estou pronto e vou tentar.
Agarrei com muito afinco
A única oportunidade
Cresci e virei doutor
Dos melhores da cidade,
Porém quando a noite acordo
De sofrimento transbordo
Me toma a infelicidade.
Pois o menino ferido
Mesmo em pele de leão
Acorda de madrugada
Procurando em seu colchão,
Mas um buraco em seu peito
Deixa o doutor sem jeito
Nasce o menino chorão.
Sou um homem realizado
Aos olhos de quem me ver
Tenho tudo que preciso
Que o dinheiro pode trazer
Porém me sinto em um rio
No peito um rombo, um vazio
E nada me dá prazer.
Lembro de meu pai saindo
Dando adeus pra nunca mais
Aquele dia terrível
Até hoje me tira a paz
Quando minha mãe caiu
Naquele buraco frio
Eu abracei satanás.
E hoje já de idade
Daria tudo na vida
Para abraçar minha mãe
Ao menos por despedida
E perguntar ao meu pai
Porque que não voltou mais
Fez minha estrada sofrida.
Ao meu maior inimigo
Não desejo este sofrimento
Todo dia abraço o diabo
Nos meus tristes pensamentos
Os outros dizem que é drama
Mas só eu minha cama
Sabemos do meu tormento.