O MATADOR DE ONÇA E O LASTRO FEDORENTO DE MER...
Não sou de contar lorota
Nem de inventar Fake News
Esse causo é "verídico"
Foi meu cachorro quem viu
O Zé Matador de onça
Gritando feito criança
Depois um fedor subiu.
No interior do Amazonas
Um lugar bem afastado
Havia uma família
Desde o século passado
Chegaram em meio a guerra
E se apossaram da terra
Vivendo ali desprezado.
Quando o Brasil se aliou
Ao grupo dos Aliados
Para derrotar o Eixo
O nordestino foi chamado
Para livrar o mingau
Tirando leite do pau
Da borracha eram "soldados".
Desprezado no Amazonas
O rapaz Joaquim Pereira
"Casou" com a "índia" Serena
Roçou mata e fez clareira
Levantou uma casinha
Aproveitou o que tinha
Palha, barro e madeira.
Assim Joaquim Pereira
Criou a sua família
Tiveram dezesseis filhos
Sendo seis filhos e dez filhas
Teve sempre o seu roçado
Vinte cabeças de gado
E dez cadeiras de mobília.
Um dia então uma onça
Resolveu lhe visitar
Comeu dois de seus bezerros
Ficou pra querer chorar
Buscou um cabra valente
Pra pegar a pintada a dente
E não mais lhe aporrinhar.
Chamou um tal de Zé da Onça
Para pegar a pintada
Um cearense valente
Disse eu pego é na dentada
Serena disse, seu moço
Essa onça aí é osso
Vá com calma, camarada!
Disse ele: - Ora essa!
Lá tenho medo de nada
Visagem levo no tapa
Nas costelas punhalada
Sou da terra de cabra macho
Comigo o buraco é em baixo
Hoje à noite ela é sangrada.
Serena disse está bem
Essa onça é encantada,
Mas se o senhor é valente
Não vou lhe dizer mais nada
Desde que eu era criança
Todos os que ela alcança
Sai com a calça cagada.
Zé da Onça se calou
Pegou o rifle e sorriu
Amolou o seu punhal
E dos dois se despediu
Foi cedo para montar
Ali um belo mutá*
Perto da margem do rio.
Deixou em baixo amarrada
Uma saborosa novilha
Assim iria atrair
A onça pra sua trilha
Teceu um grande cigarro
Na garganta fez pigarro
Com o punhal próximo a virilha.
Ficou lá só na espreita
Esperando a consagração
Com um tiro bem certeiro
Acabava a sua ação
Levava a onça nas costas
E a grana da proposta
Para mais uma missão.
Ficou ali esperando
Nenhum barulho surgiu
Como num passe de mágica
O Zé da Onça dormiu
Jamais em suas andanças
Ele perdeu uma onça
Veja o que se seguiu.
Cerca de cinco minutos
Zé da Onça cochilou,
Mas foi um sono profundo
Que o caçador sonhou
No sonho uma pintada
Falava com voz pausada
“Maninho, tu se ferrou”.
Ele acordou no susto
Meteu a mão no punhal
Só encontrou a bainha
Naquele escuro infernal
Onde seu rifle estava
Só areia se encontrava
Começou a passar mal.
Quando pegou a lanterna
O foco bateu no rosto
Daquela onça pintada
Que sorria de fazer gosto
Zé do mutá se jogou
E de medo se cagou
Com medo daquele “encosto”.
Tentou gritar por socorro,
Mas o grito não saiu
E disparou na carreira
No mato escuro sumiu
Quando chegou na Serena
Chorava de fazer pena
Como um cachorro sem brio.
Por onde ele passou
Deixou um lastro pra trás
E aquele fedor de bosta
Não saiu dali jamais
Agora era o Zé Cagado
Não respeitavam o coitado
E não caçou nunca mais.
Pela manhã Joaquim
Foi lá buscar a novilha
No mutá estava o rifle
Encostado na forquilha
No outro lado o punhal
Na posição ideal
Pra matar onça na trila.
Na casa de Joaquim
O Zé da onça chorava
E aquele fedor de bosta
Por toda a casa exalava
Dizia Serena, avisei
E tudo o que lhe falei
Você sorria e zombava.
Joaquim teve que ir
Até a próxima cidade
Levar o pobre coitado
Que chorava de verdade
E acabou exilado
Num manicômio trancado
Perdendo sua liberdade.
Aquela onça pintada
Era a dona da floresta
Sendo a rainha dos bichos
Por isso fez uma festa
Não houve um caçador
Que ela não assustou
Não sei se ela ainda resta.
Quanto ao pobre Zé da Onça
Não sei o que aconteceu
Porque antes de falar
O meu cachorro morreu,
Porém antes de morrer
Me pediu para escrever
Se mentiu foi ele e não eu.
Mas vou deixar um recado
Antes da onça acordar
Você que é da cidade
Nunca, jamais vá zombar
Desses seres encantados
Se não sabe, fique calado
Pra de medo não cagar.
*Espécie de palanque ou assento construído no mato pelo caçador, para dali espreitar a caça.