LIBERDADE DO SONHO DE UMA CRIANÇA
JOEL MARINHO
Ai que saudades que tenho
Do meu tempo de criança
Mesmo sem perspectivas
E pouquíssima esperança
Era um mar de liberdade
Muito longe da cidade,
Mas tinha gosto de infância.
Acreditava em cegonha
Se uma criança nascia
Procurava no telhado
Por onde ela descia
Foi ali que a mim surgiu
As primeiras Fake News
Que a minha mãe nos dizia.
A pobreza financeira
Nos trazia desconforto,
Porém a nossa inocência
Era o nosso maior porto
Tudo era diferente
Já desce uma lágrima quente
Lembrando esse tempo morto.
Porque tudo o que havia
Restaram apenas lembranças
Mas nesse peito de adulto
Mora ainda uma criança
Que sonha com amor e paz
De ser feliz, nada mais
Com amor e esperança.
Com a “preta do Pajeú”
Construía meus carrinhos
Ou uma lata de sardinha
Que eu tratava com carinho
De sandália cariri
Fazia a roda surgir
Colorindo meu mundinho.
Pescava peixe com a mão
Com flexa, anzol, matapi
Coletava manga e jaca,
Cupuaçu, açaí
Tomava banho pelado
Porque o tal do pecado
Só mais tarde descobri.
Hoje já de meia idade
Caminho para a velhice
Olho esse mundo cruel
Com um monte de babaquice
Trapaças, horror e guerra
Já pede socorro a terra
Da nossa grande burrice.
Por isso sinto saudades
Daquele tempo de infância
Onde eu só tinha sonhos
Recheados de esperança
Meu coração sem maldade
Não via a falsidade
Que gera desconfiança.
E os meus banhos de chuva
No meio da vastidão
Meu maior medo era raio
Seguido do “deus” trovão
Não tinha medo de crítica
Não sabia se a política
Era essa confusão.
Quando o dia amanhecia
Se eu não fosse para a roça
Pegava meu estilingue
Sumia na mata grossa
Ia caçar passarinho
Passava o dia todinho
Livre de toda essa choça.
Eu sei que a vida se faz
De fases bem diferentes
Por isso só as lembranças
Vai acompanhando a gente
A saudade aperta o peito
Sinto as lágrimas, não tem jeito
Daquele tempo inocente.
Sei que um dia vou embora
A velhice já dá sinal
E quando eu for enterrado
Na tal morada final
Vou pedir para quem fica
É uma ordem, não é dica
Respeitem o meu ideal.
Na minha lápide escrevam
Essas frases, por favor:
“Aqui jaz um velho homem
Que o tempo achincalhou
Morreu cheio de esperança,
Pois jamais morreu a criança
Que na vida o acompanhou.”
E sobre a cova me plante
Uma roseira bonita,
Pois ela lhes trará flores
Da força que a mim habita
Com muito aroma e beleza
Livre e cheia de pureza
De uma forma infinita.
Não tive a melhor infância
Com tudo que merecia,
Mas tive o suficiente
Paz, saúde e valentia
Uma casa de cavaco
Uma rede e lençol de saco
Para as madrugadas frias.
Falei de vida e de morte
De amor e esperança
Com sorriso me despeço
Desejando-lhes bonança
Que a paz e a felicidade
Lhes transmitam a liberdade
Do sonho de uma criança.